Sinézio Alcântara – Expressão Noticias
Estudo apresentado por quem defende ampliação da reserva do Taiamã carece de dados técnicos que comprovem o verdadeiro impacto ambiental. Por outro lado, quem é contra essa mudança tem embasado seus argumentos em dados reais, com os impactos econômicos e logísticos nessa região, que já padece há anos por ser faixa de fronteira. A afirmação é do senador José Lacerda, em entrevista ao site Expressão Notícias. No entendimento do senador, a ampliação da reserva inviabilizaria a navegação fluvial do rio Paraguai o que seria um crime com Cáceres e região. E, que “a nossa prioridade, enquanto homens públicos eleitos pela Região Oeste, é cuidar da vida do homem pantaneiro e do trabalhador rural. Não há fundamento colocar em prática uma ampliação dessa magnitude sem respeitar as atividades econômicas da região”. Leia abaixo a integra da entrevista.
Expressão Notícias –
A proposta do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) de ampliar a Reserva Ecológica do Taiamã, localizada no rio Paraguai, em Cáceres, passando de 11.200 para 56.919 hectares, tem sido bastante questionada por produtores e autoridades dos governos estadual e municipal. Qual a posição do senhor nessa questão?
Senador José Lacerda –
Tenho participado ativamente das reuniões sobre esse assunto que divide opiniões na nossa região. Acompanhei os nossos produtores de Cáceres em reuniões no ICMBio, no Ministério da Agricultura e os recebi aqui no meu gabinete em Brasília. Pelo que vimos até agora, o estudo apresentado por quem defende ampliar a reserva carece de dados técnicos que comprovem o verdadeiro impacto ambiental. Por outro lado, quem é contra essa mudança tem embasado seus argumentos em dados reais, com os impactos econômicos e logísticos nessa região, que já padece há anos por ser faixa de fronteira. A nossa localidade sempre foi vista do ponto de vista preservacionista, e não de progresso, por isso temos um dos IDHs mais baixos do Brasil. Entendo ainda que a proposta ignora a presença do boi-bombeiro (Lei Estadual 12.653/2024) na prevenção de incêndios. Há comprovação, embasada em estudos científicos, de que o manejo tradicional pantaneiro atua como barreira ecológica natural, evitando queimadas e degradação. Será que essa ampliação de quase cinco vezes da área trará realmente preservação? É um paradoxo que precisa ser analisado também neste momento de discussões. A nossa prioridade, enquanto homens públicos eleitos pela Região Oeste, é cuidar da vida do homem pantaneiro e do trabalhador rural. Não há fundamento colocar em prática uma ampliação dessa magnitude sem respeitar as atividades econômicas da região.

A proposta do ICMBio de ampliaria em 6 vezes o tamanho da reserva e comprometeria a navegação pelo Rio Paraguai
Expressão Notícias –
Em reunião em seu gabinete no dia 30 de outubro, entre representantes do ICMBio, dos governos estadual e municipal, produtores e líderes sindicais que se manifestaram contra a ampliação da reserva, afirmaram que, sendo aprovada a proposta, a navegação pelo rio Paraguai seria inviabilizada e, automaticamente, o desenvolvimento regional e a operacionalidade da Zona de Processamento de Exportação (ZPE) de Cáceres, recém-inaugurada, seriam comprometidos. O senhor também entende dessa maneira?*
Senador José Lacerda –
Posso falar com propriedade sobre isso porque dediquei mais de trinta anos da minha vida ao desenvolvimento de Cáceres, em especial lutando pela criação da Zona de Processamento de Exportação (ZPE). Inviabilizar a navegação fluvial do rio Paraguai seria um crime com Cáceres e região. Qual é o impacto ambiental desse modal? Mínimo, além de ser de baixo custo. Entendo que progresso e conservação ambiental devem andar juntos, e nisso o Brasil dá aula graças à Embrapa. Tecnologias como o plantio direto, a Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) e o melhoramento genético — tanto animal quanto vegetal — possibilitaram que nosso país se tornasse um gigante na produção de alimentos sem aumentar o impacto ambiental, respeitando nossos preceitos constitucionais. O artigo 225 da Constituição de 1988 deixa claro que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. E a própria Embrapa, por meio de nota técnica emitida em 2024, apontou que o Pantanal é um dos biomas mais preservados do planeta, com 84 por cento de sua vegetação nativa mantida, mostrando que o desenvolvimento regional tem respeitado, historicamente, os parâmetros ambientais.
O que a região precisa é crescimento econômico — que é o que vem com o advento da ZPE. Esse avanço deve ser perseguido e incentivado, e nunca o contrário.
Expressão Notícias –
Representantes dos governos estadual e municipal, assim como produtores e líderes sindicais, avaliam a possibilidade de recorrer judicialmente para impedir a execução do projeto do ICMBio. O senhor seria favorável a essa medida?
Senador José Lacerda –
Entendo que o primeiro passo em uma discussão que divide tanto a população deve ser sempre o diálogo. Inclusive me coloquei à disposição, enquanto senador membro das Comissões de Agricultura, de Infraestrutura e de Meio Ambiente, para trazer esse debate à seara do Legislativo Federal. Agora, como advogado constitucionalista com atuação também na área ambiental, entendo que, se as forças municipais quiserem ir para a Justiça, há espaço para que o projeto do ICMBio seja questionado. Um dos pontos principais é o princípio da proporcionalidade. Quando o estudo ignora os conflitos econômicos e sociais que a proposta pode trazer à região, ele contraria esse princípio, previsto no artigo 5º, inciso LIV, da Constituição. Há também jurisprudência recente do STF (ADI 4901 e ADC 42) garantindo que a proteção ambiental deve respeitar a autonomia dos entes federados e o direito à segurança jurídica.
Expressão Notícias –
O secretário-executivo do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Irajá Lacerda, e o secretário de Desenvolvimento Econômico de Mato Grosso (Sedec), César Miranda, são de opinião que, em vez de criar ou ampliar reservas, o correto seria consolidar as que já existem e fazer com que elas não interfiram na vida das pessoas e na economia local. Como o senhor avalia essa sugestão?*
Senador José Lacerda –
A nossa prioridade, enquanto homens públicos eleitos pela Região Oeste, é cuidar da vida do homem pantaneiro e do trabalhador rural. Não há fundamento colocar em prática uma ampliação dessa magnitude sem respeitar as atividades econômicas da região. Por exemplo, representantes de pescadores e produtores afirmam que a proposta pode eliminar totalmente o acesso à pesca artesanal e reduzir drasticamente áreas produtivas, o que seria inaceitável. Isso não pode acontecer. Eu fui deputado estadual constituinte e participei diretamente da elaboração da Constituição de Mato Grosso de 1989. E ali nós colocamos o artigo 263, que estabelece que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo ao Estado e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Ou seja, a própria Constituição deixa claro que a preservação ambiental não pode ser dissociada do bem-estar das pessoas nem da continuidade das atividades econômicas que garantem a sobrevivência das famílias pantaneiras. O equilíbrio entre conservação e produção está na origem da nossa Carta Estadual, e é esse espírito que precisa ser respeitado agora.
Expressão Notícias –
Representantes do Sindicato Rural de Cáceres, entidade que congrega mais de mil produtores, assim como lideranças políticas da região, se manifestam otimistas diante do seu fortalecimento político, principalmente com o vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, para impedir a execução do projeto de ampliação da reserva. O que o senhor diz sobre isso? Existe essa possibilidade?*
Senador José Lacerda –
Como falei anteriormente, sou um homem do diálogo. Cáceres é o meu chão. Cidade onde conheço rua por rua, bairro por bairro. Conheço as pessoas pelo nome. E essa história me dá condições, sim, de conversar aqui em Brasília, inclusive com o nosso vice-presidente da República — que é também o ministro da Indústria e Comércio — e mostrar os impactos que essa mudança pode trazer à região. É importante frisar também que a cabeça do produtor rural mudou muito nas últimas décadas. Hoje, quem depende da natureza para sua atividade econômica entende que sustentabilidade virou commodity. Pressões do mercado global, como o Pacto Verde Europeu, mostram que o cuidado com a preservação não é mais apenas uma opção, mas uma necessidade. O Brasil hoje tem capacidade de produção para alimentar 900 milhões de pessoas no mundo — 11 por cento da população mundial — e faz isso sem descuidar da preservação. A tecnologia do plantio direto, por exemplo, desenvolvida pela Embrapa, permitiu redução de custos ambientais associados à erosão em 81,22 por cento para a soja e 29,43 por cento para o milho. Então há uma responsabilidade ambiental da parte de quem produz, e precisa existir uma responsabilidade econômica e social da parte de quem defende a preservação. Esse é o grande ponto da discussão.