Gum guarda em casa camisa e medalhas conquistadas pelo Fluminense (Foto: Richard Souza)
O gol que fez contra o Santa Cruz, sábado passado, deixou
Gum insano na comemoração (reveja no vídeo abaixo). Assim que a bola cruzou a linha, o zagueiro se deu
conta de que havia marcado exatamente no dia em que se tornou o recordista do
Fluminense em jogos do Campeonato Brasileiro, com 188 aparições. Justamente
ele, que desde que chegou ao clube, em 2009, experimenta o carinho e as
críticas dos tricolores quase na mesma proporção.
– Não digo que é falta de gratidão, é falta de uma análise
profissional. Torcedor é muito emoção.
A resposta acima foi dada com um sorriso no rosto. Aos 30
anos, diz que aprendeu a lidar com a injustiça. Sim, ele considera que foi, e
ainda é, injustiçado no clube em algumas ocasiões. Mas na entrevista de quase
uma hora ao GloboEsporte.com, no apartamento dele na Barra da Tijuca, em nenhum
momento mostrou mágoa. Ao contrário. Declarou-se ao Fluminense em várias
respostas.
– Virei Fluminense. Vou torcer sempre para o Fluminense.
Essa é a relação que tenho com o clube. Quando o time perde, fico chateado como
torcedor também.
Mas esse caso de família esteve muito próximo de um fim. Foi
na virada do ano. Gum revela que colocou um pé fora das Laranjeiras, como
jamais ocorrera.
– Foi uma
possibilidade muito grande. Eu pensei (que sairia). Eu não queria ir embora,
nunca quis. Mas eu sabia que poderia acontecer.
Não aconteceu. Chegou a virar reserva no início da
temporada, mas recuperou o lugar. Ele tem contrato até o fim de 2018 e cada vez
mais vê a possibilidade de jogar por outro clube diminuir.
– Vou ficar até quando me quiserem. Se não quiserem, saio.
Eu não sou apegado. Eu valorizo, honro, amo, sou sincero.
Para encerrar a conversa, Gum escolheu os cinco jogos mais
marcantes dele pelo Fluminense no Brasileirão. A lista do zagueiro tem gols e é
carregada de emoção.
Confira outros trechos do papo com o zagueiro tricolor:
Você é um cara ligado aos números?
Nunca fui muito ligado ao número de jogos. Os gols me
preocupavam mais. Minha esposa (Vanessa) cobrava gols dentro de casa (risos).
Quero sempre fazer gols, mas nunca me fixei em marcas e números. São marcas
expressivas.
Quantos gols pelo Fluminense?
Falam que eu tenho 24, mas eu conto mais três… em decisões
por pênaltis em semifinais do Carioca contra Vasco, Flamengo e Botafogo. Quando
perdi o pênalti contra o Palmeiras na Copa do Brasil do ano passado, foi muito
sofrido, fiquei chateado, os torcedores cobraram muito. Quando você converte a
cobrança, ninguém conta. Mas eu conto. Tenho carinho especial porque fiz o gol.
E já que quando eu errei fui cobrado, posso contar (risos). Então, tenho 27.
E em que momento percebeu que o recorde no Brasileiro estava
próximo?
Gum no Fluminense
– 319 jogos
– 24 gols marcados
– 188 jogos em Brasileiros
– 90 vitórias
– 43 empates
– 55 derrotas
– 15 gols
Foi agora, quando o pessoal começou a comentar. Não tinha
nem noção, achava que estava longe. Não sabia da marca do próprio Marcão
(auxiliar técnico), que eu superei agora – tem 187. Marcão é uma referência no
clube, aí fui ver a lista de jogos no Brasileiro, que é uma marca tão
expressiva. Principalmente para mim, que é tudo mais difícil.
Conversou com ele?
Brinquei com ele por ter superado, mas em número de jogos
gerais ele tem mais. É um cara que tem o carinho do torcedor, ídolo do Fluminense.
Ele sabe como é lá dentro, sabe como nos empenhamos, nos conhece, sabe aqueles
que têm mais identificação com o clube. Ele vê isso em mim, fico feliz por
isso. Uma honra passá-lo em número de jogos no Brasileiro.
E foi o Marcão que te devolveu ao time titular antes de o
Levir Culpi chegar, né?
Ele ficou dois jogos, estava junto, mas ainda não tinha
recuperado a posição. Contou muito. Quando Levir chegou, com certeza conversou
com ele. Não tenho dúvidas de que falou sobre mim. Fiquei chateado porque
queria jogar, mas trabalhei mais, mostrei que queria jogar. Marcão contribuiu
para eu ter voltado.
Disse que as coisas são mais difíceis para você. Qual a
razão?
Quando sabem que você pode render mais, esperam mais, a
cobrança vai ser maior. E desde a minha infância nada foi fácil. Tive uma
infância muito humilde. Quando meu pai faleceu, eu tinha quase três anos. Minha
mãe (Roseli) segurou tudo sozinha. Era faxineira e vendia roupas, joias,
perfume. Vendia o que tinha para vender. Fazia o máximo para cuidar de mim e
dos meus outros três irmãos. Eu sou o terceiro. Éramos todos pequenos quando
meu pai morreu. Minha mãe teve que trabalhar, se esforçar. Alguns parentes
pediram um dos filhos para cuidar, mas ela não aceitou. Tínhamos que crescer
com ela. Ela manteve a família unida. E somos muito próximos até hoje. Essa
luta começou lá atrás. A infância não foi fácil. Só fiz um teste, pois não
tinha condição de viajar para os lugares. Não tinha como pagar passagem e hotel
para ficar.
Em família: a esposa Vanessa, grávida do filho Levi, e o filho Benjamin, na foto com Gum (Foto: Arquivo Pessoal)
São sete anos de Fluminense. Teve que se reinventar diante
do que já viveu no clube?
Se eu não tivesse lutado, se minha infância não fosse tão
difícil, talvez eu não estivesse preparado para enfrentar tudo isso. Não sei se
chegaria até aqui. Eu sabia que as coisas dariam certo para mim. Pelo meu
caráter, minha luta. E fico feliz que seja aqui no Fluminense.
Como encera essa relação com o clube? É um casamento, né?
É difícil dizer. Foi construída com o tempo. Cheguei aqui e
não era tricolor. Minha infância foi em São Paulo. Mas a partir do momento que
vim para cá, comecei a trabalhar, a honrar a camisa. A partir disso, você vai
começando a criar vínculo. Isso é importante. Não só com um clube, mas com uma
empresa, numa amizade… com o tempo, virei tricolor. E hoje, não vai ter nenhum
time no Brasil em que vou jogar mais sete anos ou vou ter a história que tenho
aqui. Vou torcer sempre para o Fluminense. Essa é a relação que tenho com
Fluminense. Quando o clube perde, fico chateado como torcedor também.
Em algum momento esteve muito perto de sair?
Quando surgiu a chance de sair do Fluminense, no fim de
2015, foi uma possibilidade muito grande. Eu pensei (que sairia). Eu não queria
ir embora, nunca quis. Mas eu sabia que poderia acontecer. Fiquei pensando,
pensando, pensando… Como seria em outro clube? Me sentiria estranho. Meu
coração é tricolor, é Fluzão. É isso que eu tenho com o Fluminense hoje.
Então essa relação poderia ter acabado na virada do ano?
Esse foi o mais próximo. Em 2011, foram 11 propostas. Teve
China, França, Japão, mas acabou não acontecendo. Sempre teve uma coisa ou
outra, mas não tão próximo. Até pelas contratações de zagueiros do clube:
Renato Chaves, Henrique. Eles vieram para jogar, sim, e aí por conta de tudo
isso, não por medo de ficar ou lutar, achei que sairia. Recebi os dois bem
quando chegaram. Estão ali para trabalhar, é bom para o Fluminense. O clube
acertou ao reforçar a equipe. Coube a mim respeitar e trabalhar. Para eu poder
jogar, não preciso torcer contra os caras. Quando eu estava no banco, passava
instruções para quem estava jogando.
Isso é sinceridade. É torcer pelo grupo e pelo clube. Meus companheiros
sabem disso. Nunca é bom perder ou ficar fora do time, mas às vezes é bom para
você ver o que está errado e melhorar. Foi interessante ficar fora, foi
diferente.
Você já disse algumas vezes que se considera injustiçado.
Aprendeu a lidar com isso?
Sim. Aprendi porque nunca vou agradar a todos. Tem treinador
que ama o cara. E tem treinador que chega e não quer o cara. Sei que a maior
parte da torcida do Fluminense gosta de mim, sinto isso na rua. É isso que nos
traz alegria, saber que apoiam e sofrem juntos. E xingam também. Torcedor é
emoção.
É aquele tipo de relação que só dá valor quando perde?
Isso não é só no futebol. É do ser humano. A gente tem que
demonstrar carinho enquanto as pessoas estão vivas, fazer homenagens quando
estão aqui. Não é uma reclamação, eu sei como é. Por ter muito tempo de clube,
a cobrança é maior. Não digo que é falta de gratidão, é falta de uma análise
profissional. Torcedor é muito emoção. Nós erramos muito por isso em todos os
setores.
Esse ano o Fluminense viveu uma crise em que o maior ídolo
do clube na atualidade esteve na porta de saída. Como foi seu papel como líder
do grupo no episódio da crise entre Fred e Levir Culpi?
Ficaria muito chateado por perder um amigo, capitão, ídolo
do clube, referência de camisa 9. Perderíamos uma pessoa que luta pelo
Fluminense e ama o Fluminense. Levir tinha acabado de chegar e fazia um bom
trabalho, dava uma cara ao time. Naquele momento, era algo muito ruim para o
clube. Não foi legal o que aconteceu. Fiquei feliz, porque dei uma entrevista
pedindo que eles conversassem e foi o que aconteceu. Foi algo pequeno que virou
uma bola de neve, um problema grande. Conversei com o Fred, falei coisas para
ele como amigo. Fiquei feliz que o Peter (Siemsen, presidente) conseguiu
conduzir tudo bem. Hoje está tudo calmo, tranquilo, caminhando bem. Levir deu
uma entrevista dizendo que eles podem ter uma relação mais profunda de amizade.
Acho que isso vai acontecer.
O que dá para esperar desse Fluminense?
Está tudo muito nivelado no Brasileiro. Se fala num
favoritismo por peso de camisa, pelos últimos campeonatos, e o Fluminense está
nesse bolo. Campeonato é muito igual. A gente sabe que tem condições de
brigar por G-4, por título, de ficar em décimo e até mesmo sofrer no
campeonato. Temos que estar muito focados e concentrados. Continuar brigando na
parte de cima da tabela para crescermos no campeonato desde agora, para
brigarmos na reta final. Não pode desencaixar, mas não dá para ter certeza do
que será.
Esse encaixe está muito longe dos times de 2010 e 2012, que
ganharam o Brasileiro?
Difícil dizer. Acho que temos boas possibilidades de chegar,
temos condições para isso. Precisamos de uns três ou quatro, três reforços,
para dar uma encorpada no grupo, o campeonato é longo. A diretoria está
trabalhando. Estamos mais próximos de ter esse encaixe do que não. Acho que
está mais para 70% de encaixar. A possibilidade de conquistarmos algo é grande.
Nesta quarta-feira você volta à Arena Palmeiras pela
primeira vez depois daquele pênalti perdido na semifinal da Copa do Brasil. E
foi muito criticado pelo lance. Ficou algum trauma?
Eu mudei minha batida aquele dia, não fiz o que queria
fazer, era outra coisa. Mas acontece. Vai ser tranquilo voltar lá, mais vontade
ainda de ganhar desta vez (risos).
E rever o Cuca?
É bom, é legal. O tempo que trabalhamos juntos no Fluminense
em 2009 foi de fortes emoções, todo jogo era final, aquela luta contra o
Coritiba. Guardo com carinho aquele momento, tenho ele como um grande treinador
também. É um momento de reencontrar amigos, mas para por aí.
Com 30 anos, o fim de carreira ainda está longe. Você acha
que encerra no Fluminense?
Cada vez mais, e principalmente depois de 2015, parei de pensar que vai
acontecer. Não posso dar certeza, não sei do futuro, mas minha esposa sempre
brinca: parece que você não quer ir embora. Como vou querer sair do lugar em que
sou feliz, me sinto bem, tenho carinho do torcedor. Amo o clube, a camisa. É
difícil querer ir embora. Cada vez mais fica mais próximo de acontecer
(encerrar a carreira nas Laranjeiras). Enquanto me quiserem, vou ficar. Se não
quiserem, saio. Eu não sou apegado. Eu valorizo, honro, amo, sou sincero. Até
me perguntei como seria se saísse, mas só dá para saber uma coisa: vou sentir
falta.
Fonte: Globo Esporte